De todos os serviços de alta complexidade oferecidos nos hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado, apenas 47% estão sendo pagos de acordo. O restante, 53%, entra no déficit que os gestores de saúde são desafiados a contornar. Os dados são de levantamento da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas).

Uma discussão na Assembleia Legislativa (ALMG) nesta quarta-feira (3) definiu caminhos para amenizar os prejuízos na oferta de serviços de oncologia, como cirurgias oncológicas, quimioterapia e radioterapia.

De acordo com o presidente da Comissão de Saúde da ALMG, deputado Arlen Santiago (Avante), autor do requerimento, o valor pago pelo Ministério da Saúde às instituições SUS não é suficiente para cobrir os custos de equipe, material e serviço, uma vez que acumula uma defasagem de mais de 20 anos. “O valor pago pela Tabela SUS está muito abaixo do valor real, como que o hospital vai dar conta de subsidiar isso? Como que esses prestadores de serviços fazem uma biópsia de colo uterino a R$18,33?”, questiona. 

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O deputado apresentou uma comparação dos preços pagos aos hospitais conveniados à rede pública de saúde e o custo desses serviços. Para realizar uma biópsia de mama, por exemplo, foi calculado o custo de R$ 292,88 - maioria do valor apenas para o ultrassom (R$100) -. O Ministério da Saúde custeia R$ 131,40, 49% do total. “Quando o médico ganha? Por isso é tão difícil encontrar profissional. Temos hospitais que não ofertam biópsia porque não conseguem bancar o déficit”, denunciou. 

Santiago trouxe o exemplo de pacientes da cidade de Formoso, no Noroeste de Minas, que são encaminhados para atendimento de oncologia em Uberaba, no Triângulo Mineiro, há 758,5 km de distância, isto é, são mais de 10 horas de viagem.

“Vejo a necessidade da PPI ser mais flexível. Às vezes algum município que não consegue oferecer o serviço consegue encaminhar os pacientes para cidades próximas e evitar um grande deslocamento”, explica, fazendo menção à Programação Pactuada Integrada (PPI) do SUS, que organiza as redes de atendimento dos serviços de média e alta complexidade em microrregiões e municípios.

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O deputado Lucas Lasmar (REDE) demonstrou a mesma preocupação ao citar o caso de pacientes de Santo Antônio do Monte, no Centro-Oeste de Minas, que precisam se deslocar até Oliveira, há 108,7 km de distância, para realizar uma mamografia. “A paciente tem que pegar ônibus, deixar a família em casa, deixar o filho com alguém, faltar o emprego, para fazer uma consulta. É tão difícil que ela acaba desistindo se não estiver com sintomas. Depois, com um diagnóstico avançado, não tem mais volta”. 

É por isso que Lasmar defende o investimento de mamógrafos digitais em todo o Estado. “A cidade de Oliveira implementou o mamógrafo digital. Câncer de mama era uma das principais causas de morte das mulheres e, agora, já se tem uma queda nos casos”, pontuou.

O câncer de mama foi apresentado como um dos pontos de atenção. Nos dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) apresentados pelo Arlen Santiago, o número de mamografias está há nove anos sem ultrapassar a quantidade de exames realizados em 2014, 713 mil. Em 2022, foram realizados 651 mil. 

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A proposta do deputado Lucas Lasmar é começar com levantamento de dados em todos os hospitais de Minas. “Precisamos levantar para onde está indo o dinheiro da saúde pública nos hospitais. É um levantamento de transparência. O quanto se recebe e o quanto é gasto nos atendimentos de baixa, média e alta complexidade”, diz. 

Segundo ele, só assim será possível começar a resolver o problema do déficit dos custos e o atraso no pagamento do extrateto dos serviços de oncologia. O extrateto é o valor que precisa ser pago para os procedimentos feitos acima do limite pactuado com a Secretaria de Estado de Saúde. O valor está atrasado desde 2017. 

“Só para se ter uma ideia, em dezembro de 2022 foi publicada a resolução que apurou os valores devidos do extrateto dos hospitais, só daquele ano. Eram 26 milhões. Está assim, desde então. Janeiro, fevereiro, março, abril… os hospitais sem deixar de atender. Imagina você trabalhar e receber dali a meses, anos?”, complementa Kátia Regina Rocha, presidente da Federassantas. 

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Kátia participou de levantamento junto do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems) sobre a receita e o custo de 40 hospitais do Estado. Só em Montes Claros o déficit calculado foi de R$ 90 milhões. “O que representa isso quando eu olho o custo? Quanto custa manter um hospital de 400 leitos abertos, porta-aberta, urgência e emergência? A Tabela SUS não dá conta”, denuncia. 

Ainda, além dos 53% de déficit nos serviços de alta complexidade, para média complexidade, o índice chega a 56%. “Isso para toda receita, entra Tabela SUS, entra incentivos do Estado, tudo. Só não está incluso, por exemplo, emendas parlamentares, porque elas não são possíveis de prever”, explica. 

A presidente da Federassantas também acredita que a transparência de dados pode impulsionar uma cobertura melhor dos custos. “Precisa existir um portal com verdadeira transparência: quanto recebe cada hospital de Minas em relação ao atendimento SUS. Nós temos casos de hospitais que recebem 3 vezes a Tabela do SUS, outros, 15 vezes”, compara. 

A Comissão de Saúde, a partir da audiência pública, requer que um estudo seja feito em parceria com a Federassantas e a SES-MG para identificar o custo real dos serviços de oncologia. Além disso, solicitam que a Tabela SUS seja reajustada pela inflação todo ano (o que caberia uma decisão federal) e a inserção da oncologia no Valora Minas, programa da SES-MG que tem o objetivo de qualificar a assistência, ampliar o acesso e responder às demandas de saúde, incluindo a implementação de recursos. 

O que diz a SES-MG

Presente na reunião, Gustavo da Costa Martins, superintendente de Processamento da SES-MG, parabenizou a discussão e resgatou aportes do Estado. “Desde 2004, a Secretaria faz aportes de quimioterapia e radioterapia, o que perdurou até 2018. Em 2022, conseguimos viabilizar o pagamento de R$ 27 milhões em recursos federais”, pontuou. 

Gustavo chamou atenção para as regras da Programação Pactuada Integrada (PPI), mas incentivou o deputado Arlen Santiago e a Comissão de Saúde a proporem uma mudança nessa pactuação. No mais, o superintendente prometeu repassar as demandas apresentadas. “Anotei algumas demandas, quanto ao atraso dos repasses do extrateto, o investimento em mamógrafos digitais e a possibilidade de incluir a oncologia dentro do Valora Minas”.